“Quando era pequena, estudava numa sala... parada. Espera, não quero dizer, com isso, que as salas de aula deveriam sair por aí passeando. Mas bem que elas poderiam dar uma sacudidinha de vez em quando e mudar o visual para chamar a nossa atenção, certo? Mas não. Era proibido mexer naquela sala. Parecia que qualquer modificação iria prejudicar o nosso aprendizado. As paredes eram brancas e deviam estar sempre branquinhas, falavam. As carteiras eram fixas, grudadas no chão. Tudo era imóvel. Olha, nem me lembro da sala, ninguém nem olhava para os lados. Afinal, para quê? Era sempre igual...
Um dia, um dos meninos da classe trouxe uma flor de presente para a professora. Uma rosa cor-de-rosa. Não lembro o motivo, se era Dia do Professor, aniversário dela ou se ele só quis agradar. Só recordo que ele apareceu na sala de aula, eufórico, com a flor na mão.
— Professora! Trouxe um presente!
A professora era muito falante, extrovertida e espalhafatosa. Fez a maior encenação, com cara de surpresa. ‘Mas que beleza! Coisa liiinda!’. Depois pediu uns minutinhos e saiu da sala com a flor na mão. Quando voltou, estava sem a flor.
— Ué? — o menino levantou a mão, intrigado — Professora, cadê a flor que eu dei pra senhora?
— Ah! — ela disse, sorrindo — Coloquei num vaso, lá na sala dos professores, para não ‘atrapalhar’ a aula — e encerrou o assunto, categórica — Obrigada, viu?
[...]
Uma simples rosa cor-de-rosa... atrapalha a aula? De onde ela tirou isso? Gente, a flor era um presente, um ato de carinho do aluno. E, segundo ela mesma, ‘linda’. Será que, por isso, desorganiza o espaço?
Pergunto: pode uma coisa dessas?”
Fonte: CARVALHO, Lúcia. Livro do Diretor: Espaços & Pessoas. São Paulo: Cedac/MEC, 2002.